“Vocações”

01-03-2011 23:02

 

         O meu nome é Gabriel, por ser o nome de um anjo. O segundo nome é António, por ser o nome do meu padrinho de baptismo, que era sacerdote.

         Nasci numa aldeia de gente vulgar e simples, mas muito influenciada, a meu ver mal, como tantas outras, por interpretações erradas do que devem ser os verdadeiros objectivos das religiões, neste caso a Cristã/Católica, e também pelo mau desempenho de vários dos seus agentes de divulgação/administração que fazem parte, neste caso, da hierarquia da Igreja Católica, que, como é sabido, é predominante neste país e em especial no centro interior/norte, de onde sou natural.

         Por essa razão, o sonho que a minha Mãe tinha para mim, fruto dessa influência, era, como não podia deixar de ser, o de eu ir estudar para o seminário, coisa que os meus dois irmãos mais velhos já tinham feito, sem resultado. Felizmente que isso nunca me aconteceu e assim também sou menos um mau sacerdote neste mundo.

         Apesar disso, não deixei de cumprir com todos os deveres de um “nascido” católico: Fiz a catequese completa com início aos cinco anos, fazendo a Primeira Comunhão. Fui evoluindo, fazendo a Crisma, da qual herdei outro padrinho sacerdote, e a comunhão solene, que nada me diz mas que felizmente acabou. Nem tudo foi mau, visto ter feito parte do elenco de um grupo de pequenos actores, que, com a orientação de um jovem e prometedor sacerdote nosso conterrâneo, ensaiou e apresentou, no final da nossa Comunhão Solene, a peça: O “Auto da Barca do Inferno” de Gil Vicente, em que eu desempenhei o papel de um dos dois anjos.

         Fui cumprindo e mal as restantes “obrigações” inerentes à vida de um qualquer católico, o que, com muita dificuldade e luta interior, veio a terminar definitivamente, por minha opção, quando já tinha dezasseis anos.

         Não foi de vez. Mais tarde “tive” de me casar pela igreja e, também, baptizar os meus filhos. Tudo isto para ceder a pressões, bem-intencionadas, de uma Mãe que impunha essa condição para aceitar estar presente na celebração do casamento ou entrar na casa desse filho.

         Claro que não me passa pela cabeça “condenar” ninguém e muito menos uma Mãe, em especial a minha. Ela só queria que os seus dez filhos vivos fossem todos, quando a hora lhes chegasse, merecedores de entrar no “reino dos céus”.

         Claro que isto é apenas um resumo. A verdadeira história é muito mais rica de pormenores: castigos, privações, complexos, preconceitos e traumas adquiridos, horizontes mal definidos e influenciados. Tudo em nome de um Deus, que, a existir, certamente condenaria toda essa prática desnecessária e imprópria para que possamos ser cidadãos exemplares e merecedores de tudo o que possa haver de bom nos nossos horizontes de desejos.

         Este é um pormenor da minha história de vida que resolvi escolher por ser elucidativo de alguns dos possíveis atropelos a uma existência que deveria ser normal e que, por vezes, traz resultados problemáticos de comportamento, relacionamento e modo de encarar a vida. Felizmente, no meu caso, soube libertar-me dessas possíveis consequências, indo ao ponto de compreender tudo isso e não guardar rancor.

          A grande lição que tiro desta minha experiência de vida é: ninguém deve sonhar por ninguém.

         Ter um ideal, é excelente! Mas cada um deve ter o seu.

 

Gabriel Rito

Setembro de 2006