“A Pintura e a Arte”

04-02-2011 13:16

 

         Como tantas outras coisas, a pintura é um mundo de coisas muito interessantes. O que quer que isso seja dependerá de nós mesmos: como a sentimos, praticamos, encaramos ou consumimos.

         Só dei, verdadeiramente, entrada neste mundo em meados de 2001. Até aí foi um adiar constante, repetido e “adormecido” até que, por várias razões, dei finalmente esse “grande passo”. Dei-o sozinho, o que é mais difícil mas também mais original.

         Para começar, a pintura divide-se em duas áreas bem distintas: a captação e a criatividade. No fundo, e ao jeito de cada um, a pintura é um pouco de tudo isso.

         A primeira, mais praticada nos tempos áureos do passado, tinha mais o desempenho de substituir a máquina fotográfica, e não só, com que ainda não se sonhava mas que se permitia já incluir verdadeiros tratamentos de imagem que nem hoje. Era, principalmente, a arte de saber fazer na perfeição, classe e grandiosidade, por isso arte clássica. Só verdadeiros privilegiados, o Clero e a Nobreza, se poderiam dar ao luxo de adquirirem tais”frutos”.

         A segunda, mais praticada desde um passado recente até aos nossos dias e cada vez mais, prende-se mais com a inovação, interpretação e transformação da realidade, desempenhando um verdadeiro papel criador. Eu até me acostumei a pensar e a dizer: Deus criou a realidade e o Homem a ilusão. É que ser criativo é isso mesmo. O que criamos, representando o que quer que seja, só existe nessa tela, outro suporte material ou, também, virtual. Aqui não interessa mais se o material, em que se cria, é acrílico, óleo, carvão, pastel, material nobre, rico, famoso ou um simples pixel. Seja o que for, abstracto ou figurativo, com ou sem texturas, com ou sem técnicas mistas, com colagens ou pouca tinta, feito a pincel, espátula, rolo ou com as mãos, tem de ser uma verdadeira criação, seja de que âmbito for, e quanto mais chocar ou surpreender melhor. É Arte, quer se goste, quer não.

         A única certeza que tenho, quanto à qualidade, é: se for boa agrada e a melhor adquire-se. Tudo deve ser analisado com o olhar actual.

         Como todas as grandes façanhas, é natural que seja muito difícil “lá” chegar.

         Costumo comparar este percurso da seguinte maneira: Se quisermos subir ao décimo terceiro andar, teremos de começar no rés-do-chão e subir, decididos, degrau a degrau, com firmeza e bem esclarecidos, até ao último andar. Alguns afortunados, os que estão munidos de melhores “trunfos”, poderão subir de elevador. Mas a verdadeira “elite” aterra ”lá” de helicóptero. Continuo a preferir subir pelas escadas e chegar lá bem “acima”. É muito mais seguro, genuíno, valoroso e honroso.

         A actividade artística também se pratica em duas determinantes modalidades: a Arte “curricular” e a Arte “incógnita”.

         A “curricular” é divulgada, promovida e naturalmente valorizada. Nela é investido tempo, apuramento, melhoramento, mais qualidade, boas ideias e muito dinheiro. Esta é a “Pintura de Arte”. Nela se investe.

         A “incógnita” é simplesmente feita de acordo com a procura e vendida ao melhor preço possível. Normalmente identificada de “Pintura Decorativa”. Dela se consome.

         Cada uma na sua área, honrada e justa.

         No campo comercial, sim porque sem dinheiro não há tintas nem pincéis e a barriga precisa de batatinhas, é que a “porca torce o rabo” de tão vergonhoso. É “gritante” sentirmos e vermos bem evidenciado que se chega a “desejar” a morte de um artista, e quando isso acontece “explodem energias de satisfação” porque o investimento feito super-valorizou.

         É revoltante, uma vez que todos ficam afrontados quando alguém tem o desplante de “observar” que talvez esse alguém até possa ganhar de mais por tão fracos serviços prestados, que esse alguém e muitos outros tenham o frequente atrevimento de “impor”, ao artista, verdadeiros preços de rebaixamento. É inadmissível!

         A arte não é só feita em X horas ou Y dias. É criada em muitos dias, meses e até anos de “confronto” de ideias e incertezas. Está acordada enquanto estamos. Exige-nos, muitas vezes, o que não temos. Rouba-nos à partilha normal da vida em comum com os nossos familiares e amigos. Dá-nos um rótulo de calões. E quando é vendida por tostões, muitas vezes, a outros trará milhões. Haja respeito!

         Ninguém, a não ser quem com os artistas convive e sofre ou alguém com bom nível de formação, imagina o que é essa “escada” das artes.

         Quanto ao grupo dos que adquirem Arte, existem algumas variantes:

         O “coleccionador” só adquire, preferencialmente a seu gosto, obras exclusivas de artistas já consagrados, ou, se tiver “visão”, de artistas prometedores, sai-lhe muito mais barato, embora arriscado.

         O “investidor” adquire preferencialmente, quer delas goste quer não, obras de reconhecido valor, seja do que for ou a quem quer que seja. Tendo, no lamentável caso da percepção da morte anunciada de determinado artista, o desplante de ir a correr adquirir quanto poder, seja a que preço for. É neste caso que se acentua mais o sentido oportunista, da aquisição, em detrimento do saber, em circunstâncias normais, apostar em novos talentos emergentes.

         O “apreciador” entende e conversa sobre o assunto, adquire só do que gosta, tenha ou não posses para tal e se não conseguir, “sofre”. É destes que o artista mais gosta. Chega ao ponto de lhe oferecer a obra, conseguindo assim um duo mais feliz.

         Finalmente, porque também são gente, existe o “abastado, inculto e insensível”, que compra a condizer com o cortinado, o luxuoso móvel da sala, o espaço livre da parede ou se é para oferecer. “Fareja a pechincha”, desdenha sempre do preço, “chora” sempre um desconto, nunca acredita que já é um preço “especial”, põe defeitos onde não há, discute o que não entende, tenta saber quantas horas levou o “trabalho” a fazer, (qual arranjo do esgoto da sanita). Seja qual for o preço grita sempre que é “caro”. Quando compra, mesmo que seja uma “porcaria”, é só por ser barato, mesmo que não precise. É o típico cliente de feira que encara tudo como tal. Destes, até pago para me “livrar” deles.

         Existem ainda as variantes de “artistas”. Sobre esta matéria prefiro não escrever. De certo modo, teria de fazer uma “clonagem” dos tipos de “personagens” que já abordei antes. Afinal, tudo tem a ver connosco e com o que sabemos ser. O “artista” já é suficientemente maltratado.

         De qualquer modo, existem dois tipos de “artistas” bem distintos, que, naturalmente, se subdividem:

         Aquele que recorre à arte como uma “terapia”.

         E aquele que vive a arte e, talvez, venha a precisar de recorrer à “terapia”.

         Naturalmente que é um tema que dá “pano para mangas”. Terei que “puxar” pelo “tecido” noutra altura.

Gabriel Rito

Setembro de 2006